Tocar um instrumento é muito mais do que saber manuseá-lo. Ter a coordenação motora, saber as notas, conseguir tocá-las no ritmo… isso pra citar apenas os quesitos ‘técnicos’. Mas além desses, existe um outro aspecto sobre o qual pouco (ou nada) se fala na educação musical, mas que é tão importante quanto ‘conseguir’ tocar uma música.
Trata-se do aspecto psicológico e social de enfrentar seus medos e apresentar a música para alguém. Qualquer um que seja esse alguém. Mesmo que seja apenas um amigo íntimo, ou um familiar.
Entre tocar sozinho, trancado no seu quarto, e tocar dentro do mesmo quarto para mais uma pessoa que seja, a distância é imensa! Mesmo sendo um amigo próximo com quem você tenha muita liberdade.
Depois de aprender a segurar o instrumento, a mover os dedos certos para os lugares certos nos tempos exatos, sem adiantar nem atrasar; depois de ter decorado a música nota por nota, ter treinado as pares difíceis e ensaiado algumas vezes a música toda; mesmo depois disso tudo, ainda não acabou.
Você ainda precisará aprender a ficar calmo para conseguir reproduzir aquilo tudo atento ao que você está tocando e não à outra pessoa, ao que ele deve estar achando, à possibilidade de errar, a como deveria se comportar caso errasse.
Quando a gente toca pra outra pessoa, existe mais um monte de coisas pra gente prestar atenção, além de todas aquelas dificuldades ‘técnicas’ que a gente já venceu. E quando, ao invés de prestar atenção no que está tocando, fica ‘lembrando’ que tem uma outra pessoa ali te julgando, a gente não consegue prestar atenção no que está fazendo e acaba errando. Aí fica mais nervoso um pouquinho (como se já não estivesse o bastante) e erra mais ainda. Aí acaba resolvendo parar - “peraí, vou começar de novo” - e aí mesmo é que não sai mais nada!
Isso sem falar nas mãos suando e tremendo, os dedos que não vão para o lugar certo como iam no ensaio, e a memória da gente que costuma ‘dar um branco’ nessas horas.
Tocar já é bastante difícil. Tocar para os outros é vinte vezes mais!
Essa é uma habilidade que você precisa intencionalmente praticar. Assim como pratica as posições e as notas do seu instrumento, precisa praticar o apresentar em si.
Praticando o Apresentar
O modelo que a maioria das escolas de música usa para lidar com isso é: estude um semestre inteiro (ou um ano!) e faça uma apresentação ao final. Uma audição. Toque o que você aprendeu, pela primeira vez em público, para um público de familiares, amigos e pessoas ligadas à escola.
Eu tive essa experiência algumas vezes, quando estudava violão clássico (veja a foto no início do post).
Não acho uma forma muito inteligente de lidar com a coisa. Acumula-se todo o receio e a ansiedade para um único momento, com tensão dobrada pois se está apresentando para um monte de gente ao mesmo tempo.
Há escolas que fazem um pouco diferente, claro. Na Escola de Choro Raphael Rabello, em Brasília, por exemplo, pratica-se uma roda de choro entre os alunos todo mês. A cada mês os alunos de vários instrumentos diferentes se reunem e tocam as mesmas músicas que praticaram durante o mês que passou. No outro mês tocam essas e mais duas ou três.
Dentre outras várias coisas legais dessa prática, há o fato de lidar com o processo de ‘apresentar’ aos poucos.
Mas nós ainda podemos ser bem mais gradativo que isso!
Da mesma forma que começamos a aprender as músicas mais simples para depois tocar as mais complexas, acho que também devemos lidar com a auto-exposição gradativamente, do mais fácil para o mais difícil.
Apresentando "aos poucos"
Apresente primeiro pra um amigo. Aí ganhe coragem e mostre para mais outro, ou para um pequeno grupo de amigos reunidos… Depois para uma roda um pouco maior, e depois em uma apresentação ‘de verdade’. Quanto mais gradativo, melhor!
Parece bobeira, mas acredite: é chave!
Faça também uma outra gradação, além da quantidade de pessoas no seu público. Mostre a música em vários estágios de aprendizado. Quando você conseguir tocar os primeiros dois acordes e cantar o refrão da música, pronto. Ache uma oportunidade para mostrar pra alguém. Depois que aprender mais um pedaço e completar a primeira parte toda, mostre de novo. E por aí vai.
Se você esperar até aprender a segunda parte da música para mostrar, aí você vai querer depois polir todos os detalhes da frase, os arpejos. Depois os solinhos, a introdução… aí sabe o que vai acontecer? Você nunca vai se dar por contente a ponto de admitir que a música está pronta, pronta, pra ser mostrada.
E quando você achar que essa música está pronta, porque não aprender logo mais uma e apresentar duas ou três músicas? Isso não acaba nunca, acredite. A gente tem uma mania de ficar adiando as partes difíceis das coisas.
Em música, um ou dois meses treinando com afinco sem mostrar pra ninguém é o bastante pra gente desanimar.
Quando você aprende só uma coisinha de nada e já mostra pra alguém acontecem duas coisas importantes: primeiro que, como você está mostrando apenas um pedacinho pequeno da música, acaba sendo mais fácil não errar; segundo que a cobrança de errar diminui em 90% e você consegue se manter calmo e atento o bastante pra poder se concentrar na música e tocar certo.
Isso aqui não é uma apresentação. É apenas uma pessoa mostrando pro outro uma bobeira que conseguiu tirar no instrumento… Se você errar, errou. “Peraí, vou fazer de novo…” e vai-se embora.
A cada pedacinho de música que você mostra pra alguém, uma pequena recompensa é merecida. Uma retribuiçãozinha pelos dois ou três dias de trabalho (e não meses!) que você teve pra aprender aquela passagem. E aí a gente anima pra aprender a ‘outra parte’ da música e voltar pra mostrar de novo.
O processo pode ser um ciclo vicioso, onde a gente vai adiando, adiando a apresentação, ficando cada vez mais ansioso e acaba desanimando; ou pode ser um ciclo virtuoso, onde a gente se dedica um pouquinho, mostra pra alguém, tem um feedback positivo e anima pra aprender outra parte.
Qual das duas lhe parece mais promissora?
Uma última coisa que cabe ser lembrada: esse é mais um processo de auto-aperfeiçoamento a que a gente se dedica quando está aprendendo música. Você terá que praticar um bocado, com disciplina, para conseguir adquirir o hábito de praticar e mostrar aos pouquinhos.
Mas vale a pena!