Se você acompanha meus posts, talvez já tenha percebido que aos poucos tenho tentado encaminhar o assunto para o estudo do que chamamos de Harmonia. E é mesmo aonde estou querendo chegar, às vezes de modo intencional, às vezes sem perceber.
Em ambos os casos, creio que o motivo seja o mesmo. O “entendimento” da Harmonia foi, na minha vida musical, o salto de aprendizado mais significativo que dei. Foi a partir do momento em que eu consegui visualizar como a Harmonia Musical se organiza que passei a realmente me sentir confortável com a música.
Antes disso, tocar, pra mim, era um ato mecânico em que eu repetia as posições do violão que havia decorado, cantava e conseguia fazer surgir a música. Mas eu não tinha a menor idéia do que de fato estava fazendo. Aliás, eu morria de raiva porque não entendia a lógica que havia entre os acordes, as notas…
Eu pesquisava, lia, procurava saber, mas ficava sempre com o sentimento de que alguma coisa não me estava sendo dita, como se houvesse um segredo. Tinha que haver alguma explicação que fosse sobre o porque certas notas e acordes funcionavam tão bem juntas e outras não…
Até que uma dia tive a sorte de conhecer e ser aluno do tão saudoso Alencar 7 cordas, a quem um dia dedicarei um post inteiro aqui no blog. Ele desenvolveu uma metodologia própria para ensinar harmonia, que batizou de Teoria das Árvores Harmônicas, que foi o ponto de partida para as coisas começarem a fazer sentido pra mim.
A partir desse momento, com um pouco de prática, passei a conseguir acompanhar as músicas ‘tirando na hora’. Eu escuto a música (uma que eu conheça, mas que nunca tenha tocado antes) procuro um pouquinho, e consigo deduzir os acordes à medida em que toco.
Até então, eu via algumas pessoas fazendo aquilo e tudo me parecia como um passe de mágica. Depois, tudo passou a me parecer tão simples e cristalino. Minha relação com a música se transformou completamente!
Aliás, esse foi o principal sentimento que me levou a começar a escrever esse blog. Eu senti uma necessidade enorme de explicar para as pessoas o que eu gostaria que tivessem me explicado logo de cara: como é que a música “funciona”? Qual é o “macete” pra se tocar uma frase musical e ela fazer sentido? É onde estou querendo chegar…
Mesmo que você toque um instrumento inerentemente ‘melódico’, como uma flauta ou um saxofone, que só tocam uma nota de cada vez; e mesmo que você só queira tocar as melodias das músicas, sem acompanhar ninguém; mesmo assim você deveria entender sobre Harmonia.
E mais: todos deveriam aprender Harmonia cedo em sua formação musical - o que não acontece no ensino tradicional de música. Harmonia, na escola de música, é assunto para final de curso de bacharelado na universidade. O cara que estuda Harmonia na escola provavelmente já é um instrumentista profissional, quem sabe até com inclinações para se tornar maestro!
E, no entanto, por ser uma estrutura fundamental para se falar e entender a linguagem musical, não parece muito coerente deixar as pessoas tocarem anos e anos sem fazerem sentido consciente do discurso que estão… repetindo.
É como ver uma pessoa que decorou a letra de uma música em inglês, e a canta perfeitamente, palavra por palavra, mas não entende bulhufas do que está cantando porque nunca estudou inglês. Agora, imagine alguém que sabe cantar eximiamente 200, 300 músicas dificílimas, com banca de professores avaliando e o cacete, por 4, 5 anos na faculdade… sem entender o que está cantando. Que maluquice, não?
O fato é que se você entender sobre Harmonia, cedo, vai conseguir “entender” (em um sentido bem particular) as músicas que está tocando, e vai se divertir muuuuuuito mais. E com isso irá tocar muuuuuuito mais, melhorar horrores e… se divertir muito mais, e tocar muito mais e evoluir muito mais… tá, você já entendeu.
Mas afinal, o que diabos é Harmonia?
A Harmonia é o contexto, o pano de fundo sobre o qual a Melodia se desenvolve. A Melodia “obedece” à Harmonia por baixo. Ao mesmo tempo, pode-se dizer que toda Melodia “traz uma Harmonia subjacente” a ela. Seja lá qual for a ordem dos fatores, o que é certo é que a relação entre Harmonia e Melodia é muito estreita e relevante!
A Harmonia normalmente possui “frases” maiores que as da melodia. É comum uma frase harmônica de quatro compassos, por exemplo se desenvolver melodicamente em duas ou quatro frases melódicas menores.
Ao mesmo tempo, o “discurso” que se expressa pela Harmonia, com a sequência específica de acordes que compõem uma música, fazem parte de um “discurso” ainda maior, que compõe duas ou quatro daquelas frases harmônicas, de quatro compassos, para formar toda a primeira parte de uma música - o que nos estaria levando à seara conhecida como Forma Musical.
O estudo da Forma Musical trata da macro-estrutura da música. Se é formada por duas partes, como um samba típico; se possui apenas um ciclo que se repete, como um Blues; ou se são uma quadra de versos e um refrão que se alternam; ou, sei lá!, se é composta por um Prelúdio, um movimento Allegro, uma Fuga e uma conclusão…
O estudo da Harmonia, portanto, está em uma jurisdição intermediária entre o mundo “macro” da Forma Musical e o mundo “micro” da Melodia, com suas notas rápidas. Essa linguagem intermediária, tão comumente deixada de lado, é afinal o elo perdido que integra todas as perspectivas em um todo linguístico coeso e lindo.
É por isso que você precisa entender sobre Harmonia; e é por isso também que quero tanto chegar a esse assunto.
Até pouco antes dos últimos posts, eu tentei compor uma base mínima de terminologia e conceitos que nos permitisse falar sobre acordes, cadências, etc. Foi, também, uma forma de ter referências para onde linkar os leitores e poder escrever sobre coisas mais complexas.
Ponho-me agora portanto (assim que eu conseguir reservar tempo pra isso =P) no começo da parte mais difícil dessa missão: estruturar a explicação e as metáforas visuais que desenvolvi e tentar transformar isso em texto.
Minha próxima tarefa é introduzir o conceito de Cadência. Vamos ver no que vai dar…